domingo, 13 de setembro de 2015

NIETZSCHE E A MÁQUINA INFALÍVEL

Henrique Iafelice

Em um de seus aforismos de outono de 1887, Nietzsche faz uma crítica contundente sobre os valores educacionais: “A tarefa é tornar o homem o máximo possível útil e aproximá-lo,  até onde for de algum modo possível, de maquina infalível”. Não é fácil transformar um ser humano em máquina, pois as máquinas suportam tudo. São insensíveis por natureza. Aprender o espirito das maquinas, sua capacidade de aguentar todo tipo de tédio, de repetição, de insensibilidade é o que busca uma educação maquinal infalível. Fazer com que os jovens se tornem "adultos"  e que estejam prontos para aguentar tudo e mais um pouco é o objetivo de uma educação maquinal.

“Aprender a ver o tédio", nos diz Nietzsche, "como sendo sempre acompanhado por um estímulo mais elevado” eis o grande aprendizado do homem máquina. Aprender a ver aquilo que é mais tedioso, chato, insuportável como sendo o melhor para se chegar aos "melhores objetivos" sejam eles quais forem. A escola sabe como fazer isso, pois ela é antes de tudo o lugar deste aprendizado maquinal. Assim, o sem sentido pode se apresentar como fazendo muito sentido, basta acreditar que  tais aprendizados são imprescindíveis para a formação do homem: “Aprender algo que não nos diz respeito;  e justamente aí, nesse ser ativo objetivo, sentir o seu ‘dever’". Seguindo nesta linha, todos os “bons educadores maquinais” não devem perder de vista a ideia de que prazer e dever andam, separadamente, pois, como nos diria Nietzsche, este é o lema de todo sistema escolar “superior”.  Triste educação maquinal.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A Escolarização perdida


Não é fácil repensar a escola. Ela padece de inúmeras forças, cada uma delas com seus próprios propósitos: individuas, interesseiros, mercadológicos, políticos, partidários, etc. Muitos deles, infelizmente, transformam-se indiscriminadamente em valores e critérios de verdade. Qualquer pessoa, pai, educador, aluno, que mantém alguma proximidade com a escola pública percebe que há muitos problemas relacionados à vida escolar: salários baixos dos professores, excessos de alunos em sala de aula, falta de equipamentos, laboratórios, etc. Tudo isso, não é levado em conta no livro Em defesa da escola. Uma questão pública de Jan Masschelein e Maarten Simons. Esses problemas, apesar de serem sérios e urgentes, escondem outro, talvez, tão relevante quanto: a escola há muito se descolarizou. Sim, é esta a tese central dos autores que, de certa forma, mostram-se porta-voz de algo pressentido por muitos de nós.
          A palavra escola, dizem os autores, possui sua raiz na palavra grega skholé que significa tempo livre. Tempo livre “para o estudo e a prática oferecida às pessoas que não tinham nenhum direito a ele de acordo com a ordem arcaica vigente na época”. Tempo livre não produtivo, não relacionado com as necessidades do mundo das demandas sócias e do trabalho. Isso pode parecer muito estranho, pois estamos habituadas a acreditar que a escola é um momento de preparação para o mundo social ou do trabalho. Para os autores, a escola se faz em um espaço liberdade, um lugar onde há um distanciamento das demandas sociais ou mercadológicas. É somente neste espaço de liberdade que o conhecimento pode ser apresentado de forma livre e autônoma. A escola “descolarizada” nada mais é do que a escola atual determinada aos interesses do capital, da formação tecnicista e mercadológica, que faz com que o espaço escolar deixe de ser um espaço de tempo livre, instituído com objetivo de apresentar para as novas gerações a beleza do conhecimento pelo próprio conhecimento.  O que mais nos entristece é ver pais, professores, alunos e demais personagens ligados à escola afirmando um discurso a favor da escola descolarizada. A escola escolarizada por estar livre das demandas exteriores mostra-se como um espaço verdadeiramente democrático genuinamente autônomo. É somente nesse espaço de liberdade, de comunidade, em que as diferenças sociais, religiosas, econômicas são momentaneamente deixadas de lado, que a apresentação do conhecimento com amorosidade, a partir das diferentes matérias, pode surgir.

É necessário lutarmos para que a escola não perca o seu sentido original e fundante. Estamos cansados de ver a escola apenas como um meio para um fim. A escola é um fim em si mesma. Um espaço de amor ao conhecimento, que, por não estar determinado por nenhuma força exterior, revela a beleza da experimentação e do desvelamento do conhecimento. Em defesa da escola é um livro de leitura urgente, necessária para todos aqueles que lutam para que a escola não se curve aos interesses dominante do poder.

sábado, 16 de agosto de 2014

O problema do aprendizado e o aprendizado como problema



Deleuze nos diz que o pensar sempre se faz a partir de encontros, de afectos ou signos. Algo nos força, nos violenta, nos impele a pensar. Muito foi dito sobre a boa natureza do pensamento, ou seja, imagina-se o pensamento como algo que possui em si mesmo uma boa vontade para o pensar. A própria tradição filosófica foi a responsável por afirmar a boa vontade do pensamento em conhecer. Todos nós conhecemos a famosa frase de Aristóteles no início de sua obra Metafísica: “Todos os homens, por natureza tendem ao saber”. Esta imagem do pensamento inaugurada pela Filosofia está presente no próprio pensar como seu pressuposto, determinando assim toda e qualquer forma de pensamento. A imagem do pensamento é o pano de fundo ou o pressuposto do pensar que, neste caso, em vez de revelar a natureza violenta do pensamento, atribui a ele uma natureza dócil e de boa vontade. “O bom senso ou o senso comum naturais, são, pois,  tomados como a determinação do pensamento puro”. (DELEUZE, 2006b, p. 194). O filósofo, a partir da imagem do pensamento, afirma que o pensador quer o verdadeiro, pois é da natureza do pensar amar a verdade. Assim, de forma premeditada, a imagem do pensamento determina a própria busca do pensador: ele, enquanto pensador, está determinado a buscar o verdadeiro.
          Deleuze nos convida a duvidar desta boa natureza do pensamento, ou seja, desta imagem do pensamento presente na própria Filosofia:
Quando a filosofia encontra seu pressuposto numa imagem do pensamento que pretende valer de direito, não podemos, então, contentar-nos em opor-lhes fatos contrários. É preciso levar a discussão para o plano de direito e saber se esta  imagem não trai a própria essência do pensamento como pensamento puro. (DELEUZE, 2006b, p.194).
          Em seu livro Proust e os signos, Deleuze diz que Proust “tocou no essencial quando afirmou que “as verdades permanecem arbitrárias e abstratas enquanto se fundam na boa vontade do pensar. (DELEUZE, 2003, p. 89). A própria  palavra “filósofo” já revela em si mesma esta arbitrariedade. Inversamente do que muitos pensam,  a palavra amigo  revela uma fraqueza: os amigos buscam se afastar dos conflitos de ideias; eles se afirmam a partir do próprio convencionalismo, pois  uma exposição de suas diferenças poderia abalar a própria essência da amizade que os une. Todos os amigos parecem afirmar um certo acordo de significações, e se tal acordo não se estabelecer, fatalmente a amizade será de alguma forma abalada em sua própria estrutura. Assim, a amizade se estabelece, antes de tudo, no convencionalismo de opiniões e ideias. Tanto a Filosofia quanto a amizade, diz Proust, se distanciam da busca da verdade. De acordo com Deleuze: “Sem algo que nos force a pensar, sem algo que violente o pensamento, este nada significa. “Mais importante do que o pensamento é o que ‘dá a pensar’; mais importante do que o filósofo é o poeta”. (Deleuze, 2003, p. 89). É somente a partir dos afectos, ou seja, dos encontros, que podemos ir além das nossas próprias opiniões e limites.  Afastados daquilo que nos movimenta, não podemos sair do campo dos determinismos inteligíveis da representação ou da base identitária  de um “eu” psicológico.
          Percebe-se que o pensamento como boa vontade não abre espaço para a criação. O ato criativo se faz sempre a partir de um encontro, de algo que involuntariamente nos desloca e nos afeta, desestabilizando  nossas próprias certezas, abrindo em nós um espaço para o impensável do próprio pensar. Nossa educação escolar, de forma geral, parece desconhecer o valor do encontro, do involuntário, dos afectos e dos signos que nos impelem a pensar. Ao contrário, parece reconhecer apenas as verdades aprendidas pela representação ou pela recognição que têm como fundamento apenas  imagens e semelhanças  com algo  já-conhecido, um já-pensado, com um saber já-pronto e acabado.
O problema, porém, reside no fato de que terminamos por confundir o “reconhecer” com o “pensar”. Ora, o pensamento não tem uma função meramente recognitiva; aliás, ele não tem jamais tal função – se o tomamos em seu aspecto criativo [...]. Somente o pensamento, enquanto potência criadora, pode romper definitivamente com a representação e a recognição e apreender as coisas em sua singularidade, em sua diferença essencial. (SCHÖPKE, 2012).

          O modelo pedagógico tradicional é efeito e resultado de uma “imagem do pensamento” que se afirmou na própria tradição filosófica. Tal modelo se estabeleceu na afirmação de um pensamento que, indiferente a toda forma de devir, buscou a certeza do permanente, ou seja, na determinação da forma, da substância ou ainda  do sujeito do conhecimento. Contrariamente a esta tradição, Deleuze afirma uma outra forma de aprendizado não baseada nas recognições ou nas representações comuns à Filosofia. Segundo Deleuze, o que o filósofo
postula como universalmente reconhecido é somente o que significa pensar, ser e eu, quer dizer, não isto ou aquilo, mas a forma da representação ou da recognição [...]. É porque todo mundo pensa naturalmente  que se presume que todo mundo  saiba implicitamente o que quer dizer pensar. A forma mais geral da representação está, pois, no elemento de um senso comum como natureza reta e boa vontade (Eudóxio e ortodoxia). O pressuposto implícito da Filosofia encontra-se no senso comum como cogitatio natura universalis, a partir do qual a Filosofia pode ter seu ponto de partida. (DELEUZE, 2006b, pp.191-192).
          Para Deleuze, aprender não se reduz às verdades apreendidas pela inteligência por meio do uso comum das faculdades. Muito mais do que isso, aprender diz respeito a chegar ao limite dessas mesmas faculdades: percepção, memória, imaginação, inteligência e pensamento podem simplesmente estar atuando de forma voluntária, dentro de uma zona de normalidade e conforto.  Ou seja, somente quando essas faculdades  se veem diante do encontro com o diferente e com o inusitado gerados a partir dos signos (afectos)  é que elas podem ir além do seu uso comum. Por isso, Deleuze escreve: “ Há sempre a violência de um signo que nos força a pensar, que nos tira a paz. (DELEUZE, 2003).
          Segundo Deleuze, o mundo não é algo dado, mas sim, algo a ser decifrado e decifrá-lo é um dom. (DELEUZE, 2003, p. 25). E não há outro caminho para aprendermos a decifrá-lo a não ser pelos encontros. Porém, estes encontros podem vir carregados de crenças que, de certa forma, nos distanciam do conhecimento. Como vimos, um afecto é um signo.  Uma marca, um efeito que pode ter vários sentidos. “Aprender diz respeito essencialmente aos signos”, nos diz Deleuze. Toda aprendizado é um decifração de signos. Não há aprendizado que não passe por este processo de significação, pelo  ato de capturar um signo, de apreender um signo:
Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos. Quem sabe como um estudante pode tornar-se repentinamente “bom em latim”, que signos (amorosos, ou até mesmo inconfessáveis) lhe serviram de aprendizado? (DELEUZE, 2003, p. 21).


Referências


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domingo, 21 de fevereiro de 2010

A filosofia e a dúvida

A FILOSOFIA SERVE EM PRIMEIRO LUGAR PARA DUVIDARMOS DAS NOSSAS PRÓPRIAS CERTEZAS PRINCIPALMETNE DAQUELAS QUE NOS TORNAM CEGOS PARA RECONHECER O QUE HÁ DE PIOR EM NÓS MESMOS.